Guilherme Daroit

TURIS SILVA/DIVULGAÇÃO/JC
Silva, da Turis Silva, uma das maiores empresas gaúchas do setor
Silva, da Turis Silva, uma das maiores empresas gaúchas do setor

Não é das tarefas mais fáceis, de maneira geral, conseguir informações sobre as empresas que prestam serviços de transporte de passageiros por fretamento no Estado. Totalmente pulverizado e, talvez por isso, pouco organizado setorialmente, o chamado sistema de transporte especial englobava, até o mês passado, mais de 9 mil empresas registradas no Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer). Para mudar esse cenário, a autarquia aposta, desde 20 de julho, no recadastramento das companhias como forma de melhorar a comunicação e, no futuro, informatizar os processos.

Eram, até então, exatos 9.404 cadastros no Registro Cadastral de Empresas de Fretamento Intermunicipal de Turismo (Recefitur) do Daer. A inscrição é exigida de todos os transportadores que realizam o fretamento turístico, além do fretamento contínuo, que consiste, por exemplo, no transporte diário contratado por uma fábrica para levar e buscar seus funcionários. Apesar disso, o número real de empresas que realizam esse tipo de viagens contratadas, contraponto ao sistema regular que utiliza as estações rodoviárias, não era, necessariamente, tão elevado.

"Toda essa movimentação tem a ver, também, com o fato de que o Daer trabalhava com um sistema muito defasado, que permitia algumas burlas", agrega o diretor de transportes rodoviários da autarquia, Lauro Roberto Lindemann Hagemann. Ele cita o exemplo de empresas que, com um único CNPJ, conseguiam fazer mais de um cadastro no sistema. A prática era interessante, porque, para frotas de até cinco veículos, as tarifas e cauções são menores. Assim, alguns empresários com frotas maiores registravam seus veículos de cinco em cinco, e a irregularidade passava despercebida.

Em um primeiro momento, após levantamento desses casos e de outros com algum tipo de problema, a expectativa era de que o número de cadastros fosse reduzido a 6 mil. Até a semana passada, porém, eram 1.550 as empresas que haviam atualizado suas informações no extranet do Daer. Além da divulgação pelos canais oficiais, os transportadores também recebem o aviso assim que tentam gerar a lista de passageiros para alguma viagem, que só são liberadas após a atualização de dados da empresa e, principalmente, de contato com elas.

"Determinamos um prazo (acabava ontem, dia 19), mas mesmo que tenhamos de ampliá-lo, vamos fazer (ontem o Daer prorrogou o prazo para 4 de setembro). O que eu quero não é diminuir o número de empresas, mas sim qualificar as informações", complementa Hagemann. O objetivo é decorrência, segundo o diretor, da existência até então de muitos casos de empresas sem telefone, e-mail ou mesmo endereço em seus cadastros, o que praticamente inviabilizava a comunicação oficial do órgão com as mesmas. O que, a partir de agora, com exceção de casos mais graves, passará a ser feito de forma eletrônica sempre que possível.

O movimento é parte de um conjunto de ações, internas e externas, que busca trazer o Daer definitivamente para o mundo virtual. Há a intenção de, no médio prazo, reformular todo o ambiente eletrônico da autarquia, eliminando a necessidade de fazer grande parte das obrigações pessoalmente, como acontece hoje. Outra dessas ações consiste na determinação de que todos os encaminhamentos realizados nas superintendências regionais da autarquia no Interior sejam redirecionados, via malote, à sede, em Porto Alegre.

"Enchi de trabalho o pessoal na Capital, mas a decisão tem um caráter estrito, que é conseguir dimensionar o serviço, saber quantos são os encaminhamentos, as empresas, o que hoje, por cada unidade ter a sua forma de proceder, não sabemos com precisão", justifica Hagemann. O objetivo maior, segundo o diretor, é calcular o nível de demanda que o sistema eletrônico precisará comportar nessa nova fase e evitar que caia em momentos de maior fluxo de informações.

No turismo, setor vive de ressaca desde o fim da Copa do Mundo

De acordo com as empresas, desde o fim da Copa do Mundo, o fretamento turístico vive de ressaca. "Pagar o IPVA neste ano foi difícil", brinca Clóvis Cavalheiro da Rosa, da Portovan, que levou a frota de Porto Alegre para Canoas, onde os impostos são menores. Com mais de 10 veículos, a empresa se voltou ao turismo receptivo e busca viajantes no aeroporto para passeios.

"Dependemos também de eventos e, neste ano, as empresas pararam de investir nesse tipo de ação", continua Rosa, lembrando, porém, que, tradicionalmente, é no segundo semestre que o setor aquece. Outros filões, como a chamada balada segura, que consiste no transporte noturno de grupos a festas, também preenchem a agenda, conta Wojahn, que possui duas vans.

Há, no sistema de transporte especial o fretamento contínuo, que sofre menos com variações. "O transporte eventual não tem frequência, há meses que tem muito, e meses que praticamente para", justifica Jaime José da Silva, da Turis Silva, que desde 1990 foca no transporte contínuo empresarial, responsável por 90% de seu faturamento.

A Turis Silva possui cerca de 230 veículos, que prestam serviço permanente a grandes indústrias, a empresas aéreas e a concessionárias do sistema regular, fornecendo carros em período de alta temporada para o Litoral. São 430 mil passageiros por mês, número impressionante em um setor em que proliferam empresas de pequeno porte.

Entre elas, porém, é mesmo o fretamento turístico que demanda maior número de veículos. "Entre nossos associados, a grande maioria tem dois ou três veículos, e 80% deles dependem do turismo", conta o vice-presidente da Associação das Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Sul (Amic-RS), Wagner Silveira, que, desde fevereiro, passou a atuar com o segmento e possui, hoje, 92 associados no setor.

Para empresas, lista de passageiros com antecedência ainda é a maior dificuldade

Hagemann rejeita flexibilizar a segurança. FOTO ANTONIO PAZ/JC

São muitos os passos para quem presta ou pretende prestar o serviço de fretamento de maneira regular. Além das necessidades de registro legal da empresa e de possuir veículos para as viagens, são exigidos ainda, por exemplo, o LIT (Laudo de Inspeção Técnica), que são vistorias temporárias realizadas por estabelecimentos credenciados e fiscalizados pelo Inmetro, além de relação das placas e modelos dos carros, relação dos empregados e apólices anuais de seguro. A exigência que mais gera polêmica, porém, é a de que, a cada viagem, a lista de passageiros seja registrada com 12 horas de antecedência. O objetivo é impedir que o sistema concorra com o realizado por concessionárias - evitar, na prática, que os veículos de fretamento peguem passageiros pelo caminho. Há, legalmente, a possibilidade de incluir até dois nomes após esse período.

"Com isso, a gente perde viagem", critica Ricardo Wojahn, proprietário da Heitur Aluguel de Vans. "Se você decidir ir para algum lugar de última hora, eu sou obrigado a te dizer que não posso." O empresário cita como exemplo o caso em que o hotel de executivos em viagem de negócios a Porto Alegre o procurou, ao meio-dia, pois os mesmos pretendiam aproveitar a tarde livre para conhecer Gramado. "Até mesmo em velórios, como são inesperados, eu não poderia levar as pessoas por conta dessa exigência", acrescenta Wojahn.

O sentimento é compartilhado por Clóvis Cavalheiro da Rosa, diretor-proprietário da Portovan, que tem como filão de mercado o turismo receptivo. Segundo ele, quem chega no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, muitas vezes decide de repente para onde pretende ir. "Acreditam que, fazendo com essa antecedência, vão combater o clandestino, mas a exigência da lista está aí, e o transporte clandestino está aí também", afirma Rosa. O empresário admite, porém, que embora seja alvo de críticas, sem a atuação do Daer, a concorrência com o transporte irregular seria ainda maior.

O diretor de transportes rodoviários da autarquia, Lauro Hagemann, admite revisar a medida. "Estamos dispostos a melhorar tudo, mas na revisão vai ser alterado tudo. Para o futuro, certamente vamos reduzir esse tempo, mas primeiro precisamos fazer estudo para ver o real impacto." Segundo ele, a autarquia não pode alavancar um sistema em detrimento a outro, como o sistema regular ou mesmo os táxis para casos de emergência. "De qualquer forma, temos repassado aos fiscais que à lista até não se apeguem tanto, às vezes o motorista não tem como prever mesmo. Não vamos flexibilizar, porém, a segurança do passageiro. Sem LIT, sem seguro, com motorista inabilitado, aí sim não pode rodar de jeito nenhum", diz Hagemann.

A autarquia realiza, em média, quatro fiscalizações por semana no Estado, e são tantas as irregularidades encontradas, que praticamente os salários e diárias dos fiscais são pagos apenas com as multas emitidas. Wojahn, porém, defende que alguns veículos clandestinos não são tão fiscalizados quanto as empresas regulares, pois possuem placa cinza, e não vermelha, como as dos veículos de transporte coletivo. "Quando passo um orçamento, tenho que incluir o custo da vistoria, do seguro, da burocracia toda que quem resolve fazer um bico não tem e, por isso, consegue fazer um preço pela metade", ressalta o empresário.

Com informatização, objetivo é evitar a sobrecarga e dinamizar os processos

Ainda que as solicitações mais corriqueiras, como a lista de passageiros de cada viagem, sejam feitas on-line, muitos encaminhamentos das empresas precisam ser feitos fisicamente no Daer. A cada nova apólice de seguro, modificação de funcionários ou de veículos, as transportadoras necessitam deslocar alguém até a autarquia para a notificação. São cerca de 350 solicitações do sistema especial todas as semanas, que fazem lotar a parede da repartição com uma infinidade de pastas.

"Acreditamos e esperamos que venha para melhorar o sistema, pois facilitaria muito não precisar deslocar gente até lá", diz o presidente da Turis Silva, Jaime José da Silva. A empresa, uma das maiores do setor, mantém dois funcionários exclusivamente para trâmites burocrático, tamanha a demanda. Outras empresas, menores, delegam esse tipo de serviço a despachantes.

"Hoje, o que acontece também é que os funcionários do Daer estão trabalhando para as empresas. Elas chegam com várias folhas, uma autenticada, outra não, e é o Daer que tem que conferir, avisar o que falta, esperar a pessoa voltar", afirma o diretor de transportes rodoviários da autarquia, Lauro Hagemann. "Quando chegarmos ao fim desse processo de modernização, a empresa é que será a responsável por manter os seus próprios dados atualizados remotamente no sistema. Se esquecer ou omitir alguma coisa, não tem muita desculpa", complementa o diretor, que projeta que a fiscalização também ficará mais fácil.

Além disso, o sistema vai acabar com a falta de critérios e de isonomia no andamento dos processos, hoje suscetíveis ao que Hagemann descreve como "criar dificuldades para vender facilidades". Com o horário de protocolo determinado automaticamente, quem chegar antes, será atendido antes também. "O grande benefício desse transtorno que está sendo causado, que até foi pior nos primeiros dias, é que vamos tornar o sistema ágil, leve, com ferramenta atual", completa Hagemann. O planejamento contempla ainda a integração com a base de dados do Detran, da Secretaria da Fazenda e dos órgãos de vistoria, que permitirão comprovar os dados cadastrados pelas empresas em tempo real, sem a necessidade de cópias autenticadas. Facilitando o processo como um todo, a autarquia espera ser também mais efetiva na fiscalização ao transporte clandestino.

 

Fonte: http://jcrs.uol.com.br/